quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Estatuto da Igualdade sem Cotas

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Estatuto sem cotas
Editorial - 16/09/2009 11:22

A Câmara dos Deputados aprovou no último dia 9 de setembro o projeto de lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial (PL 6264/2005). O projeto, de autoria do Senador Paulo Paim, vinha sendo discutido há pelo menos dez anos e sua aprovação se deu após uma série de concessões feitas no texto original.

Algumas dessas concessões geraram certa polêmica em torno do Estatuto. De um lado, estão o governo e alguns movimentos organizados que exaltam os avanços presentes nos artigos do projeto de lei. Do outro, entidades do movimento negro consideram que o projeto, como foi votado, deixa de contemplar diversas bandeiras históricas de luta.

É inquestionável a importância de uma lei voltada especificamente para a superação das desigualdades étnico-raciais. O projeto aprovado na Câmara contempla algumas demandas que são antigas e que se demonstravam urgentes. Fica estabelecido, por exemplo, a obrigatoriedade das disciplinas história da África e dos negros no Brasil, no ensino médio e fundamental, em escolas privadas e públicas. Destacam-se também os pontos que garantem os direitos dos remanescentes quilombolas, além daqueles que estabelecem definições objetivas do que é racismo e punições para a prática do mesmo na internet.

No entanto, o projeto aprovado deixa de contemplar duas questões que hoje se mostram cruciais para os negros brasileiros. Primeiro, o texto, apesar de garantir direitos para as comunidades quilombolas, sobretudo em relação a incentivos agrários, mostra-se vago quando a questão é a demarcação de terras e também sobre a definição de quem são os remanescentes de quilombos. A outra questão diz respeito às cotas para ingresso no ensino superior. O tema é polêmico e novamente o poder legislativo abre mão do debate em nome de um aparente consenso.

O Estatuto aprovado na Câmara dos Deputados recomenda o mecanismo das cotas como ações afirmativas, mas não estabelece medidas para que sejam adotadas. A obrigatoriedade e regulamentação das cotas em caráter nacional é hoje uma das principais lutas pela democratização do acesso ao ensino superior, uma vez que as políticas de ações afirmativas já se mostraram eficazes nos últimos anos. É o que demonstra o Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Sociais (Laeser) em seu Relatório Anual das Desigualdades Sociais. De acordo com o Relatório 2007/2008, em 1995 apenas 18,1% do total de universitários brasileiros eram negros. Em 2006 esse número subiu para 29,9%. Essa elevação está ligada ao contexto de adoção de medidas de inclusão, sejam elas as cotas, ou os demais programas federais como o Prouni.

O mesmo relatório do Laeser mostra, no entanto, que ainda há muito a se fazer. Pois, em 2006, quando os negros atingiram quase 30% do total do contingente de universitários, eles representavam 49,5% da população brasileira. Se compararmos com os brancos, que eram 49,7% da população, mas ocupavam 68,5% das cadeiras nas universidades, percebemos como o caminho para a superação das desigualdades é longo.

O Estatuto da Igualdade Racial é uma conquista a ser valorizada, mas sua aprovação na Câmara deixa clara a necessidade de se reavaliar como se dão as concessões políticas em meio a lutas históricas e de grande importância para o povo brasileiro. Após uma década de discussão é de se questionar que a lei a ser aprovada não contemple questões que hoje se mostram como demandas urgentes para superação das desigualdades, principalmente aquelas que dizem respeito à democratização do ensino superior público, umas das poucas possibilidades de mobilidade social. Consolidar as ações afirmativas como uma política pública é uma das formas efetivas de se contribuir para o fim das discriminações e do preconceito, que, no seu conjunto, agem como entraves na mobilidade ascendente para a maioria dos segmentos mais pauperizados do país.

Leia aqui a íntegra do Estatuto da Igualdade Racial aprovado pela Câmara em 9 de setembro


extraído de Observatório de Favelas
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