sábado, 16 de março de 2013

Pesquisa derruba mito sobre cotas

Pesquisa da UFABC derruba mito sobre cotas

Natália Fernandjes - Do Diário do Grande ABC

10/03/2013 07:30:00

O desempenho acadêmico de estudantes da UFABC (Universidade Federal do ABC) ao longo dos anos indica que o sistema de cotas - que reserva 50% das vagas para estudantes oriundos de escolas públicas - não interferiu negativamente na qualidade do Ensino Superior público.

Apesar de os cotistas apresentarem mais dificuldades no aprendizado, principalmente nos primeiros anos da graduação, levantamento realizado em 2011 mostra que o êxito médio de todos os discentes, mensurado pelo CR (Coeficiente de Rendimento) que varia de zero a cinco, é considerado satisfatório. De acordo com a pesquisa institucional, os 4.855 estudantes entrevistados têm desempenho médio de 2,06. Na universidade (para que os alunos tenham acesso a bolsas de incentivo) é preciso obter CR a partir de 2.

Quando avaliadas separadamente, no entanto, as notas dos dois grupos mostram que cotistas têm mais dificuldade em aprender. O CR geral dos alunos que cursaram Ensino Médio em escolas públicas fica em 1,99, enquanto que a nota dos jovens formados nas escolas particulares é 2,11. A disparidade, no entanto, não interfere na média geral da universidade.

A instituição federal foi pioneira no País em praticar a reserva de vagas desde seu primeiro vestibular, em 2006. Em outubro, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei de Cotas, por meio da qual todas as instituições federais de Ensino Superior devem adotar o esquema.

Na UFABC, o ingresso de 1.900 estudantes é feito pelo SiSU (Sistema de Seleção Unificada), que utiliza apenas as notas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) como critério de seleção. A universidade tem hoje cerca de 7.200 estudantes, sendo 3.300 cotistas.

A análise do desempenho destaca ainda que o desnível dos alunos, em razão da debilitada formação básica, é evidenciado no ingresso à universidade a partir da comparação das notas do Enem. Estudantes cotistas apresentam notas 4% menores do que não cotistas. No SiSU de 2012, por exemplo, aqueles que tiveram benefício do sistema de cotas apresentaram nota média de 662 pontos, contra 691 dos jovens formados em escolas privadas.

Para o pró-reitor de Graduação da UFABC, Derval dos Santos Rosa, os dados mostram que o sistema de cotas é a melhor proposta para a inserção dos jovens que cursaram Ensino Médio em instituições públicas de Ensino Superior. "Nossos cursos continuam sendo reconhecidos e figuram entre os mais conceituados do País."

Passado o vestibular, é preciso que a instituição adote práticas que garantam a permanência do aluno, avalia o pró-reitor. Além de ações de inserção e acolhimento, o projeto pedagógico precisa ser adaptado - o estudante tem flexibilidade para escolher o número de matérias que deseja cursar.

Dedicação é segredo para o sucesso

O rendimento acadêmico ligeiramente inferior por parte dos alunos cotistas mostra que os dois grupos de estudantes não encontram as mesmas dificuldades ao longo da vida acadêmica. Pelo lado dos oriundos de escolas públicas, há necessidade de dedicação em dobro ou triplo aos livros para alcançar CR (Coeficiente de Rendimento) satisfatório.

"Tive que estudar o triplo dos meus colegas que vieram de escola particular para ter boas notas no primeiro ano", conta Thabata Pinho Müller, 20 anos, aluna do curso de BC&T (Bacharelado em Ciências e Tecnologia) e cotista no campus Santo André.

Natural de Americana, no interior do Estado, a jovem diz que a adaptação quanto ao ritmo de estudos levou cerca de um ano. "Além de não ter aprendido alguns conteúdos no ensino público, é difícil tirar notas baixas e não desanimar", destaca. Para manter o CR acima de 2 é preciso de, no mínimo, oito horas de estudo diário.

A ideia de Thabata é se formar em, no máximo seis anos, e para isso recebe ajuda dos pais. "O combinado é que me esforço aqui e eles lá para que eu não precise trabalhar", comenta.

Basta olhar para o lado para se deparar com pessoas que acabam desistindo do curso, comenta a estudante de BC&H (Bacharelado em Ciências e Humanidades) do campus São Bernardo Natasha Almeida Macedo, 18. "Na minha sala muita gente trancou a matrícula no primeiro ano". Para quem trabalha, a dificuldade é pior. Segundo ela, a maior parte do processo de aprendizado não é feita em sala de aula. "O professor está lá para complementar e debater os temas, mas é preciso preparação da aula antes e rotina de estudos em casa", observa.

Defensora do sistema de cotas, Natasha explica que a área de exatas é a principal dificuldade daqueles que estudaram na rede pública. "Infelizmente não tivemos essa base, então precisamos recuperar nos esforçando mais", completa.

Cotistas são minoria entre estudantes que concluem graduação

Beneficiados com metade das vagas destinadas aos ingressos no vestibular da UFABC, estudantes cotistas representam minoria entre os formados. Levantamento da instituição mostra que o número de alunos oriundos de escolas públicas que concluíram o Ensino Superior até 2012 é 34% menor do que o de jovens que cursaram o Ensino Médio na rede privada. Dos 734 estudantes formados até o ano passado, 292 são cotistas e 442 não.

Para o professor do curso de Políticas Públicas da UFABC, cotistas levam mais tempo para concluir a graduação porque, além de enfrentarem mais dificuldades, muitos precisam trabalhar e, com isso, diminuir o número de matérias cursadas por quadrimestre. "Ainda consideramos cedo para fazer essa análise porque os jovens têm até sete anos para terminar o curso e a universidade tem apenas seis anos", pondera.

O tempo que levarão para se formar não é a principal preocupação dos alunos. Pelo contrário. Para eles o que vale é ter a certeza de que estão preparados, comenta o estudante cotista de BC&T Ivan Makino, 21 anos. "Lógico que pretendo me formar em até seis anos, mas não adianta acelerar o tempo da graduação e perder em aprendizado", destaca. Apesar de ainda não precisar trabalhar, o jovem reafirma a vontade de ingressar em estágio no próximo ano.



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