segunda-feira, 6 de julho de 2009

Política de cotas na perspectiva da justiça distributiva

-
Política de cotas e o negro no ensino superior sob a perspectiva da justiça distributiva (1)

Shirlena Campos de Souza Amaral (2)
Adelia Maria Miglievich Ribeiro (3)

Apresentação

A Universidade Pública, na perspectiva aqui proposta, expressa e legitima valores que tendem a mobilizar a sociedade na qual se insere. É o lócus por excelência da formação de quadros profissionais qualificados, de um público leitor e crítico que, na chamada “sociedade do conhecimento”, desfruta de estratégias mais largas na constituição de suas próprias redes de acesso à informação, bem como de futuras lideranças científicas e políticas, não por acaso, muitas vezes, superpostas.

No entanto, ainda poucos brasileiros têm oportunidades reais de ingressar em tal lócus e ainda quando os argumentos em prol da impossibilidade da universidade pública atender às demandas crescentes por educação em nível superior firmam-se, faz-se necessário observar se, dentre os que estudarão na Universidade Pública, os mecanismos de seleção por quais terão passado ao longo de sua respectiva trajetória podem ser identificados como “justos” nos parâmetros do chamado Estado Democrático de Direito. Falamos, por exemplo, da oportunidade anterior de acesso à escola pública de qualidade, como condição sine qua de enfrentamento das perversas desigualdades sociais.

As políticas de cotas, no bojo das ações afirmativas, trazem consigo o discurso da reparação de injustiças sociais. Aqui, têm início as intensas polêmicas. Detemo-nos, em nosso estudo de caso, no exame da implementação e da eficácia da política de cotas para negros na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), em Campos dos Goytacazes, RJ.

Propomos que a política de reserva de vagas para negros nas universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e UENF – nos critérios em que ganhou existência jurídica tende a se legitimar, na prática, como estratégia de “justiça distributiva”. Buscamos, pois, examinar, com mais rigor, as possibilidades de sua fundamentação em argumentos pautados na proposta de “justiça como eqüidade” do filósofo político norte-americano John Rawls (1921-2002).

Num segundo momento, apresentamos a reconstrução dos principais eventos, discursos e debates que singularizam a implementação da política de cotas na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), atentando para as relações entre comunidade científica, poderes públicos e movimentos sociais.

Por fim, discutimos a eficácia da política de cotas para negros no que se refere à realização da pretendida inclusão social, concentrando a pesquisa nos anos de 2004 e 2005. Numa perspectiva comparada, analisamos o ingresso desse segmento da população nos cursos da UENF e nos cursos homônimos nas IES privadas de Campos dos Goytacazes.

Temos ciência de que não é simples objetivar o que é a aceitação ou rejeição da política de cotas como “discriminação positiva” visando à justiça como eqüidade e o que é a aceitação ou rejeição da reserva de vagas que unida a um critério “racial” põe em evidência não apenas as desigualdades sócio-econômicas em nosso país, mas a falácia de nossa decantada “democracia racial”. Neste caso, ainda aqueles que não ousam duvidar de que “a pobreza tem cor” no Brasil, suspeitam que as “cotas raciais” não minimizam o problema, mas criam desdobramentos ainda mais perversos, deixando de atacar o cerne da não-distribuição de renda no país, ao mesmo tempo em que prolongam uma política compensatória que, por isso, perde seu potencial de transformação. Somam-se às divergências político-ideológicas as dificuldades pragmáticas na operacionalização de tal política por nossas instituições de ensino superior. Atores envolvidos, confiabilidade dos critérios, seus limites mesmos, sugerem o quanto a política realmente existente ainda está longe do alcance de suas metas. A reflexão aqui contida – ainda que pontual - espera poder somar nos estudos sobre as potencialidades e os obstáculos da inclusão social na Universidade Pública.
__________

1 - Paper apresentado originalmente no 31.º Encontro Anual da ANPOCS, no Grupo de Trabalho Educação e Sociedade – “Sociedade Brasileira e Educação: o que já sabemos? O que precisamos saber?”, em 2007.

2 - Doutoranda em Sociologia e Direito (PPGSD) pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Membro dos grupos cadastrados no CNPq “Teorias Sociais, polêmicas e sínteses” e “Sociologia, Direito e Justiça”. E-mail: shirlenacsamaral@yahoo.com.br

3 - Drª em Sociologia – IFCS/ UFRJ. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – PPGCS/UFES. E-mail: adeliam@censanet.com.br

Paper completo
-

Nenhum comentário:

Postar um comentário