segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Dez anos da lei de Cotas Raciais no Brasil

Dez anos da lei de Cotas Raciais no Brasil

O sistema de reserva de vagas para negros em universidades públicas completa uma década de polêmica.

Gustavo Cidral - 26/09/2011

O sistema de cotas para os que se consideram negros e pardos ingressarem nas instituições públicas de ensino completa uma década de existência no Brasil. A primeira lei, a 3.708/01, foi implantada no Rio de Janeiro, e assegurou 40% das vagas aos estudantes afrodescendentes em escolas de ensino superior do Estado.


Hoje, são cerca de 110 mil cotistas negros em 32 universidades estaduais e 38 universidades federais de todo o país. Para ser beneficiado com o sistema de cotas, o aluno deve se declarar como negro ou pardo e provar com fotos anexadas à matrícula.

As cotas são ações que visam dar oportunidades a grupos menos favorecidos na sociedade ou que tenham sido prejudicados no passado. A cota racial, especificamente, é uma compensação que o Estado oferece aos afrodescendentes pelos maus tratos sofridos pelos seus antepassados na história do país.
Uma pesquisa realizada pelo Datafolha, em 2006, mostra que 65% dos brasileiros são favoráveis à reserva de um quinto das vagas nas universidades para negros e descendentes. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, divulgada em 2009 pelo IBGE, 50,6% dos brasileiros se declaram pretos e pardos.

Análise positiva
Os dez anos de existência do sistema de cotas raciais para ingresso em universidades públicas brasileiras foi tema de debate no último dia 19, em Brasília. Senadores, militantes e especialistas, membros da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, concluíram que, depois de uma década, a ação se mostrou “bem sucedida, ao promover significativa e relevante inclusão da população negra brasileira no ensino superior público”. A informação é da agência Senado.

Para os participantes, as ações são “um instrumento legítimo para a busca da ‘igualdade material’ preconizada pela Constituição de 1988”. No encontro, o diretor-executivo da organização não governamental Educafro, frei David Santos, afirmou que o sistema de cotas “não aumentou o racismo nas universidades e a qualidade acadêmica não foi prejudicada”. Baseado em pesquisas, Santos também disse que o desempenho acadêmico dos cotistas não é inferior ao dos não cotistas.

Resultado ainda longe do ideal


Dentre as ações afirmativas, a cota racial, por ser a mais polêmica, ajudou a promover o debate. O fato é positivo, segundo o coordenador do departamento de educação do Moconevi (Movimento da Consciência Negra do Vale do Itapocu), Luís Fernando Olegar, 41 anos. Para ele, a medida gerou discussão e possibilitou a troca de informações.

Luís Fernando considera o preconceito contra afrodescendentes e o sistema de cotas resultado da falta de informação. “As pessoas não têm acesso à educação de forma igualitária”, explica o diretor, que já trabalhou em duas instituições em bairros de classes sociais bem diferentes. “Enquanto as crianças de uma escola tinham em casa acesso à internet, TV a cabo, viajavam para outras cidades e conheciam lugares dos quais tinham aprendido na sala de aula, as outras só tinham como o passeio do ano uma ida ao shopping, quando a escola as levava”, conta.

Para o professor, as cotas raciais são um “reparo necessário, um caminho inverso ao mal feito aos negros ao longo da história do Brasil”. O educador entende o argumento de alguns grupos, inclusive da própria comunidade afrodescendente, sobre a importância de cotas para os menos favorecidos economicamente e não somente para os de cor escura. Porém, ele acha imprescindível o benefício para os negros devido ao racismo. “Os negros sofrem preconceito não pela classe social ou pelo currículo. Na hora de uma entrevista para emprego, o fenótipo é o que conta. As pessoas são escolhidas pelo que mostram, pela cor e pelos traços”, defende.

Segundo o educador, quanto maior o nível de formação acadêmica do negro, mais ele sofre racismo. “O peso é maior. Há mais cobrança para os que não tinham vez, principalmente os cotistas”, afirma. “As cotas permitem a ascensão social de um grupo étnico cuja maioria não tem oportunidade de crescer na vida”.

A falta de representatividade


Além do desenvolvimento social dos afrodescendentes, o coordenador considera a visibilidade um fator importante na luta contra o racismo. “Se a criança não vê professores, médicos, empresários, enfim, pessoas bem sucedidas da mesma cor, ela aprende que aquilo é normal e cresce inconscientemente com um sentimento de inferioridade” explica. “Você não se enxerga, não se sente representado”.

Apesar de toda a mobilização dos movimentos que lutam pelos direitos de igualdade dos afrodescendentes, a disseminação de sua cultura e a formação de lideranças, para Luís Fernando, a mudança social foi pequena após uma década de cotas raciais. O professor dá um exemplo da discriminação em exercícios feitos em sala de aula com os alunos: “há dez anos, pedia para as crianças procurarem em revistas pessoas negras. Encontravam poucas. Hoje, fico assustado aos constatar que isso não mudou”, conta. “Mesmo os pretos e pardos serem praticamente metade da população brasileira, a representatividade na mídia ainda é muito pequena”.

Luís Fernando espera que um dia as cotas raciais, e qualquer tipo de cota, não sejam mais necessárias. “O ideal é que deixem de existir e todos vivam em condição de igualdade”, conclui.

Cotas em Jaraguá do Sul


O único local que aplica o sistema de cotas raciais em Jaraguá do Sul é o IF-SC (Instituto Federal de Santa Catarina). Desde 2009, os campus Jaraguá do Sul e Geraldo Werninghaus, receberam 15 alunos cotistas. Porém, cerca de um terço desistiu. Os cotistas são hoje em torno de 1% do total de estudantes e ainda não preenchem os 10% das vagas exigidas pelo MEC a pessoas que se declaram pretas ou pardas em Jaraguá. O processo ocorre a cada semestre, junto com o processo seletivo regular.

Extraído de O Correio do Povo - Jaraguá do Sul-SC


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