Ilegalidade das cotas
Roberto
Boaventura da Silva Sá*
Quarta
feira, 12 de outubro de 2011 / Edição
nº 13135
Demorou,
mas aconteceu. Um colega rotulou-me de liberal porque em meu artigo anterior –
opondo-me à política de cotas – invoquei a CF/88, Art. 3º, Inciso IV, em que se
lê: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Não
fosse o colega um comunista de araque, que até contribuiu para o partido da
ordem (e progresso!!!) – o neoliberalíssimo PT – chegar onde chegou, eu até
perderia tempo nesse embate menor. Ademais, um funcionário público não deve
pisotear a CF. Opondo-se a ela, o caminho é o Congresso, do qual o partido
desse “comunista” faz parte. E aí, como fica? Fica assim. Por isso, volto ao
mesmo tema.
No
final da semana passada, o Presidente em Exercício do Conselho de Ensino
Pesquisa e Extensão (CONSEPE/UMFT) publicou um documento em que explica um
Inquérito Civil Público, pelo qual a Universidade foi cientificada pelo
Ministério Público Federal (MPF) em 10/03/2011.
Sobre a
motivação do tal Inquérito, diz o documento da UFMT que, em 2003, o CONSEPE
(pela Resolução 110/2003) aprovou um Sistema de Sobrevagas (vagas adicionais,
em um máximo de 30% para todos os cursos). Essas vagas deveriam ser assim
distribuídas: 45% para negros pobres, 45% para brancos pobres e 10% para
indígenas”.
Em
2004, o CONSEPE recebeu e acatou o relatório de uma comissão interna que
deveria definir como o sistema funcionaria. Por contingências várias, “somente
o Programa PROIND foi posto em prática, com um total de vagas inferior ao
proposto na resolução 110, beneficiando indígenas de etnias de MT (...)”.
Em
março/2011, a Reitoria/UFMT “recebeu o documento OF/PR/MT/PRDC/Nº 1227/2011, no
qual o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão (do MPF) requisita
atendimento de recomendação anexa por parte da UFMT e da sua Reitora... Ao
final do documento, é dito que “O MPF, por meio de seu Procurador da República,
com fundamento no artigo 127 e no inciso III do artigo 129 da CF/88, bem como
no inciso XX do artigo 6º da Lei Complementar nº 75/93, recomenda para a UFMT e
para sua Reitora... imediata implementação do ‘sistema de sobrevagas’ na UFMT,
em sua plenitude, conforme a Resolução CONSEPE/UFMT 110, de 10/11/2003.”
Diante
disso, respeitosamente, quero dialogar com o MPF. Começo dizendo que o conteúdo
dos artigos e incisos da CF arrogados no Inquérito, bem como o da Lei
Complementar, circunscreve-se às incumbências do MPF: “defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis” (CF: Art. 127).
Sendo
assim, entendo que a decisão do CONSEPE, em 2003, é que originalmente fere a
ordem jurídica a ser defendida pelo MPF: Art. 3º, Inciso IV da CF (ver acima).
Afinal, decisões de conselhos universitários estão abaixo de cláusulas
constitucionais. Nem a autonomia das universidades (art. 207 da CF) pressupõe
ignorar o Art. 3º da mesma Carta. Portanto, minha interpretação é contrária à
do MPF. Penso que este – para fazer cumprir suas arrogadas obrigações
constitucionais – precisaria, antes, exigir da UFMT o fiel cumprimento da CF:
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor...”.
No
mais, problemas sociais, raciais, sexistas, religiosos etc. são resolvidos (ou
não) de outra forma, mas nunca desconsiderando a CF. A ditadura do
“politicamente correto”, imposto como bandeira de partidos políticos
contemporâneos, não pode se sobrepor às letras constitucionais; e isso vem
ocorrendo.
Enfim,
liberal ou comunista, conservador ou progressista, eis a minha contribuição,
hoje, circunscrita aos aspectos legais da questão; mas como sou leigo, posso
estar enganado. Por isso, como cidadão, gostaria de ver este debate pautado.
No
próximo artigo tratarei do conteúdo sobre as cotas.
* Roberto
Boaventura da Silva Sá - Dr. em Ciência da Comunicação/USP e prof. da UFMT - rbventur26@yahoo.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário